O texto abaixo será melhor compreendido se a música Fria Lição, composta e cantada por Jorge Aragão, for escutada anteriormente.
Fria Lição
Jorge Aragão
Fizeram tanta coisa pra nos ver sofrer Contaram tanta história de mim pra você Brindaram nosso drama Ao som da nossa valsa Uma platéia fria, tão falsa Mas o pior de tudo é que ficamos sós Ouvindo uma canção que falava de nós Armaram uma trama Trocaram nossa valsa Uma platéia fria, tão falsa Bem que te avisei que no nosso abraço Tinha um coração fora do compasso Mas, você nem ligou Bem que te avisei que no nosso abraço Tinha a mão do mal desatando o laço e não deu outra foi o fim no gravador do meu telefone a sua voz embargada De pavor Pede clemência Jura inocência com minha ausência Diz que aprendeu a dar valor
Procurar ter uma relação mais profunda com a música é essencial para quem dança, porque certamente isso fará com que estes realizem a sua atividade de uma forma ainda melhor.
Por este motivo, todo o tempo disponibilizado para ouvir uma música é bem aproveitado, tendo em vista que tal ação pode fazer com que elementos relevantes sejam identificados.
Neste sentido, tem muito valor conseguir perceber, por exemplo, qual é o assunto tratado na música, como ela fala deste, que emoções são trazidas, qual atmosfera é transmitida…
Alguns destes fatores influenciarão diretamente na maneira de dançar, e outros, por terem maior sutileza, irão servir para aumentar a consciência sobre a música, o que tem grande significado.
Com esse pensamento, uma música que realmente vale a pena observar é a que abre este texto (Fria Lição, de Jorge Aragão), pois ela oferece vários pontos interessantes de serem notados.
Nela, além das figuras de linguagem apresentadas, o que de mais genial a ser visto é a conexão criada entre os sentimentos que são colocados e o modo que estes são expressados.
Ou seja, o conteúdo desta música, juntamente com a sua interpretação e execução, parecem estar em completa consonância entre si, causando, neste aspecto, uma impressão de harmonia em toda ela.
E isto é feito através de uma história bastante simples, que diz respeito a um casal que se separou devido a comentários que terceiros estavam fazendo do seu relacionamento.
Explicando melhor, a música se passa como se um homem contasse a trajetória do seu namoro ou casamento, o qual terminou em razão da sua parceira supostamente ter acreditado em mentiras que foram ditas.
Sendo possível deduzir que posteriormente ela se arrependeu de ter agido assim (pois teria descoberto a verdade), e veio a ligar para o seu ex, dizendo desesperadamente que aprendeu a valorizá-lo.
Analisando um pouco mais minuciosamente esta música, vê-se que ela tem três divisões, e na primeira destas o autor começa discorrendo sobre os boatos que outros faziam dele à sua companheira.
Neste início, com uma linguagem ornamentada e não tão direta, é feita a narração dos fatos, onde é perceptível uma tristeza na voz do cantor, acompanhada de alguma calma ou tranquilidade, talvez por apenas estar relatando acontecimentos que já passaram.
Na segunda parte, o ocorrido continua a ser descrito, chegando a parecer (na minha compreensão) que, de forma extremamente sutil, é colocado até um tom espirituoso nesta estrofe.
O que causa essa impressão é a frase que abre este momento (“… bem que te avisei”) a qual soa levemente como uma finíssima desforra, observando que poderia significar que o autor sabia que estava com a razão e reafirmava que as intrigas citadas não mereciam crédito.
Junto a isso, há o desenvolvimento da música, com o crescimento dos instrumentos musicais, estando entre estes a cuíca, que aparenta dar certo humor ao que é falado.
E na terceira parte – seguramente a mais tocante e sentimental de todas – é transmitida a sensação do sofrimento da mulher, que viu que o que era dito era mentira.
Em tal instante, conta-se que ela ligou para o seu ex e, presumivelmente, tentou reatar com este por ter enxergado que eram falsas as referidas alegações e por sentir a sua ausência.
É interessante ver, neste final, que uma atmosfera sombria é elaborada, a qual é construída pelas notas musicais e pela maneira que a música vem a ser interpretada.
Isso começa já na segunda parte quando a palavra “fim” é colocada, indicando que algo mais triste e obscuro viria, demonstrando, provavelmente, o estado de espírito da mulher na ocasião.
Podendo ser visto que o ponto alto disso ocorre nos momentos que são feitas determinadas entonações no modo de cantar, que corresponderiam ao jeito que ela conversava ao telefone (especialmente nos termos “inocência”, “clemência” e “ausência”).
Esta ênfase, ocasionada por uma voz aguda, que representa estar saindo com dificuldade, imita a fala de uma pessoa que estaria chorando, com um nó na garganta ou coisa semelhante, exatamente como é enunciado na frase: “…a sua voz embargada de pavor.”.
Por fim, é oportuno mencionar, novamente, que todos estes itens comentados foram compostos com extrema inteligência, pois neles há a tradução perfeita dos sentimentos de uma história em forma de música.
Cabendo dizer que o que foi exposto possivelmente não altere uma dança tão visivelmente, de início, até porque esses elementos não são fáceis de serem notados em uma primeira ouvida.
No entanto, músicas como esta é que inspirariam os dançarinos a tentar fazer o mesmo que ela fez, que no caso destes, seria a transformação ideal das emoções em movimentos.
Em resumo, pelo fato da música ter um papel de grande relevância na dança, a percepção de fatores brilhantes deste tipo talvez é que façam alguém ter a verdadeira vontade de dançar, se orgulhar ainda mais de praticar esta atividade, e buscar realizá-la de uma maneira cada vez melhor.